Arcabouço Legal e Teórico

A despeito da PNEEPEI – Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008)  ter 16 anos de existência (em 2024), muitos professores, responsáveis e, mesmo o  público geral, talvez, com base no senso comum,  ainda indagam (explícita ou implicitamente) o porquê  de pessoas, público-alvo da educação especial, na atual política nacional de educação, sejam matriculadas e tenham o direito de frequentar e aprender em escolas regulares. 

Nesta seção gostaríamos de apresentar brevemente os argumentos, pedagógicos e legais, para a atual política nacional de educação especial. Devido ao escopo do público-alvo deste guia e a natureza deste material, não entraremos nos aspectos históricos ou nas diversas fases pelas quais passaram a Educação Especial, no Brasil e no Mundo, até a chegada da versão vigente. Muito embora não possamos deixar de destacar que, desde 2020, há um movimento crescente de ataque ao atual espírito da PNEEPEI com sucessivas tentativas de retrocessos a modelos já superados de Educação Especial, como por exemplo, as versões iniciais do parecer nº 50, do Conselho Nacional de Educação, que tentava descaracterizar o Atendimento Educacional Especializado, transformando a Escola em um espaço mais próximo de uma clínica do que de um espaço pedagógico.

Por que o público-alvo da educação especial deve estar na escola regular?

Há, basicamente, duas premissas fundamentais para que estudantes, público-alvo da educação especial, estejam em escolas regulares junto com todos os demais estudantes aprendendo e desenvolvendo plenamente suas potencialidades.

A primeira diz respeito aos estudos críticos da deficiência (DINIZ et al, 2009) que, nos últimos 20 anos, tem acumulado reflexões que superaram a visão biomédica da deficiência que considerava a mesma como um problema médico do indivíduo e, portanto, uma “tragédia pessoal” a ser curada e que justificaria segregá-los em espaços educacionais, ditos especiais, em que um hipotético saber especializado de professores seria necessário, para cada diagnóstico,  de modo que, só então, estas pessoas aprenderiam ou desenvolveriam suas potencialidades.

No modelo social da deficiência há um deslocamento da ideia de que a “deficiência” estaria no indivíduo. Esta passa a ser vista como estando nas  barreiras produzidas pelo ambiente ou pelo entorno social das pessoas com algum tipo de impedimento físico ou sensorial (provisório ou permanente).

Não se nega as características biomédicas particulares de uma pessoa (aqui, chamadas de “impedimentos”). Ao contrário considera-se que o problema a ser “curado” está, na verdade, nas barreiras arquitetônicas, atitudinais e de acessibilidade que impedem pessoas, com algum tipo de impedimento, de exercerem plenamente suas potencialidades e/ou ocupar os mesmos espaços como as pessoas sem impedimento. 

No modelo social,  a deficiência não está no indivíduo, mas é uma construção social. Ela está nas barreiras que a sociedade oferece aos corpos, com algum tipo particular de impedimento. Neste modelo é necessário transformar a sociedade para que todos os corpos e modos de ser e estar o mundo possam ocupá-los em condições de equidade. Nesta perspectiva, no lugar de uma escola especial segregada (ou práticas escolares diferenciadas dentro da escolar regular), o que se busca é uma escola regular e práticas escolares,  que se organizem para romper com toda e qualquer barreira que inviabilize, pessoas com algum tipo de impedimento, de ocuparem esses espaços e, assim, desenvolverem ao máximo suas potencialidades.

Aprendizagem e Desenvolvimento em contextos de Diversidade

A segunda premissa, para que todas as pessoas, independente de suas condições particulares, devam frequentar os mesmos espaços educativos se deve aos estudos sociais da aprendizagem de Lev Vygotsky (VYGOTSKY, 2007). Segundo esta perspectiva, a diversidade cultural contribui para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos e esse desenvolvimento cognitivo contribui fortemente para as aprendizagens.

Portanto, colocar pessoas com deficiência na realidade diária da escola regular, contribui para o seu desenvolvimento cognitivo ao mesmo tempo que a prepara para a vida em sociedade.  Uma outra importante consequência desta convivência de diversos tipos de corpos e modos de ser, na escola regular, é que a sociedade, constituída nesse microcosmo escolar, aprende também a conviver com a diversidade. 

No pensamento de Vygotsky, a linguagem desempenha um importante papel na aprendizagem, portanto integrar a diversidade, no contexto escolar, não só contribui para a aprendizagem de todos como aumenta as potencialidades de desenvolvimento de pessoas com deficiência por experimentarem espaços culturais mais ricos do que aqueles de ambientes segregados.

Para Vygotsky os impedimentos pessoais não são limitantes  para a aprendizagem, mas desafios que podem ser superados com  apoio social apropriado ou com estratégias de acessibilidade ao mesmo currículo. As estratégias pedagógicas devem considerar os potenciais  de aprendizagem dos estudantes com deficiência tendo a  mediação de outras pessoas (professores e estudantes)  e uso de recursos pedagógicos e/ou de acessibilidade adequados.

Arcabouço legal

Não obstante termos duas potentes teorias  embasando a inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares, é verdade também que,  a luta histórica dessas mesmas pessoas, por seus direitos sociais e políticos, ao longo dos anos, em diversas partes do Brasil e do mundo tem contribuído para a construção do atual arcabouço jurídico que garante a elas, entre diversos outros, o direito pleno de aprender, em iguais condições (direitos a acessibilidade), tendo a perspectiva da educação inclusiva como um direito fundamental que se desdobra no aparato legal que, brevemente, elencamos a seguir.

A constituição federal de 1988 (BRASIL, 1988) que assegura a todas e todos o direito à educação, inclusive explicitando, em seu artigo 208 inciso III, a garantia do atendimento educacional especializado, às pessoas com deficiência,  preferencialmente na rede regular de ensino.

Ainda, com status de emenda constitucional, temos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009)  que reforça o direito à educação inclusiva e orienta políticas de inclusão e acessibilidade em todos os níveis de educação.

A LDB (BRASIL, 1996) que estabelece as diretrizes para a organização da educação brasileira destaca a educação inclusiva e explicita, em seu artigo 58, o público-alvo do atendimento educacional especializado: estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Diferentemente da educação especial praticada em  outros países, no Brasil, foi criado  o AEE – Atendimento Educacional Especializado, que é um serviço  cuja finalidade é identificar e remover as barreiras que impeçam, pessoas com deficiência, de desenvolverem suas potencialidades na escola regular. Esse serviço tem um caráter complementar e suplementar (não substitutivo) da educação regular e está definido através do Decreto nº 6.571/2008 (BRASIL, 2008).

Em continuidade ao fortalecimento da Educação Inclusiva no Brasil foi editado o Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005/2014 (BRASIL 2014) que em sua Meta 4 garante a inclusão de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades na rede regular de ensino.

Toda a política de educação especial está explicitada na PNEEPEI (BRASIL, 2008) que estabelece as bases legais e filosóficas da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, nas escolas regulares públicas e privadas, de todos os segmentos, no Brasil.

Tangenciando a educação mas alargando esses direitos para outros setores da vida cidadã, de pessoas com deficiência, temos a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015 (Brasil, 2015) que, além de marco para a inclusão e acessibilidade, em seu artigo 28, reforça o direito à educação inclusiva e a oferta de AEE.

Resumo Poético

Onde queres protocolo, sou processo;

Onde queres exclusivo, sou específico;

Onde queres o individual, sou comunidade;

Onde queres adaptação, sou acessibilidade;

Onde queres classificações, sou singularidade;

Onde queres tutela, sou cuidado;

Onde queres manejo, sou relação;

Onde queres anamnese, sou estudo de caso;

E onde queres PEI, sou Plano de AEE.

Nathalia Meneghine

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